A polêmica da corrida de galgos leva Livramento e região a ser notícia nacional mais uma vez
Proibidas na Argentina e Uruguai, as corridas de galgos são comuns em cidades de fronteira do Rio Grande do Sul, como Quaraí, Uruguaiana, Santana do Livramento e Bagé. Os bastidores das carreiras, como são chamadas as corridas, são reveladas em reportagem da RBS TV.
Esses cães, que costumam ser dóceis, passam se comportar de forma violenta depois de receber medicamentos energéticos antes das competições. Por trás dessa aparente diversão, existem desrespeito às normas para evitar a Covid-19, apostas em dinheiro e também maus tratos. Em dezembro, a reportagem da RBS TV acompanhou uma dessas corridas, em Santana do Livramento. Sem saber que estava sendo gravado, um homem que cria galgos de corrida para venda, admitiu as sequelas. "Quebra uma mão, quebra uma perna. Esse dias, correndo lá em Bagé, quebrou o garrão (pata)", ele disse. Com apostas em dinheiro, a atividade aconteceu numa pista de um bairro da cidade, com pessoas aglomeradas e sem máscaras. Havia crianças entre os frequentadores. Os cães correm diante de um pano puxado que imita as feições de uma lebre, puxado por um cabo. Imaginando perseguir a presa, o galgo corre desesperadamente até a linha de chegada. Ao término de uma dessas baterias, a reportagem flagrou o momento em que os cães passaram a se atacar uns aos outros, violentamente, a ponto de os donos terem de intervir. A reação dos animais começa depois que eles investem contra o pedaço de pano. Essa violência é consequência do uso de drogas injetadas nos animais. "Então eles ficam com uma psique muito agressiva. Aí, muitas vezes, esses animais, ao chegarem nesse final, são frustrados no seu objetivo, que seria capturar aquele coelho (lebre), e acabam voltando essa agressividade, essa energia toda concentrada neles, neles próprios", explica o professor João Sérgio de Azevedo, da Faculdade de Medicina Veterinária da Ulbra. Para energizar os animais, vale até substâncias injetáveis. Momentos após a carreira, a reportagem flagrou um homem com uma seringa e uma ampola contendo cafeína, recém aplicada em um galgo. O veterinário Henrique Noronha, diretor do Departamento de Bem Estar Animal do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), diz que esse tipo de substância pode causar danos aos cães. "As cafeínas funcionam de forma muito semelhante às anfetaminas. Elas são estimulantes. Em doses excessivas, como é normalmente o uso nas corridas, ela faz uma hiperexcitação do sistema nervoso central do cão. Então ela causa confusão mental, pode causar convulsões. Causa grandes oscilações na frequência cardíaca", explica Noronha. A venda de drogas aplicadas nos cães, sem registro no Ministério da Agricultura, foi identificada pela investigação da RBS TV em agropecuárias uruguaias de Rivera e Aceguá. Projetos de lei na Câmara dos Deputados, em Brasília, e na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, tentam proibir as corridas. O presidente da Associação Bageense de Criadores de Galgos, Cristian Nogueira Lopes, negou a existência de maus tratos e disse que as carreiras são legais. "Abominamos a prática de maus tratos. Consideramos que se efetivamente apurados e comprovados, as punições legais devem ser exemplarmente aplicadas" declarou Lopes, em nota. Polêmica na destinação de verbas Em Bagé, na Fronteira do RS, uma das pista de corridas está localizada no Parque do Gaúcho. As atenções em torno desse tipo de atividade começaram quando veio a público a destinação de uma emenda parlamentar do deputado federal Dionilso Marcon (PT) para construir um centro de convivência para frequentadores e apostadores, em torno da cancha. A obra de R$ 250 mil está em andamento. Ativistas e a vereadora Beatriz Souza (PSB) entendem que houve desvio de finalidade na construção da obra, que deveria beneficiar o parque como um todo, e não apenas parte dele. Além disso, questionam o fato de o poder público incentivar algo que promove a contravenção e os supostos maus tratos. O caso está sob investigação no Ministério Público. "Existe essa mácula nessa emenda, mentindo que seria investindo em cultura, e não, está se investindo em cultura de crime dentro do Parque do Gaúcho", afirma a vereadora, cujo projeto de lei para proibir a prática foi rejeitado na Câmara de Bagé. Na ponta dos protestos contra as corridas, o Núcleo Bageense de Proteção Animal afirma recolher das ruas animais que não servem mais para as competições. Eles ficam em casas de voluntários até se recuperarem. Em uma dessas residências, um grupo de ativistas mostrou à reportagem aquilo que seriam atrofias musculares e até cicatrizes que seriam consequência do uso dos animais também em caçadas. "Teve situações que aconteceram conosco, que a pessoa (que abandonou o cão) chegou com o galgo quebrado, pedindo ajuda, e quando a gente diz que vai ter que amputar a pata, ele deixou o animal pra nós, pra atendimento veterinário, e sumiu", descreve Patrícia Coradini, presidente da ONG.
Texto: G1
Foto ilustrativa
